sábado, 31 de dezembro de 2016

O MELHOR POEMA DO MUNDO

o melhor poema do mundo
não existe
nem existe o melhor poeta do mundo
precisamos melhorar as pessoas
que imaginam a poesia melhorando o mundo
ou pior
imaginando um poeta melhorando um poema
precisamos melhorar poemas sem precisar de poetas
precisamos melhorar poetas
sem que eles melhorem os poemas
precisamos melhorar o que precisamos
melhoraremos quando não precisarmos de poemas
nem de poetas
nem melhorar ninguém
para descobrirmos o melhor poema do mundo



sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

PARA OS DESCONHECIDOS POETAS

outro dia
fiz uma relação de todos os poetas que conheço
faltaram páginas
tive que escrever no espaço que ficou depois
e esses nomes não ficaram fixados num local exato
mandei a relação para todos eles
para que complementassem a lista as listas
poucos responderam
recebi mais respostas dos mortos
e eles acrescentaram nomes que eu não conhecia
que ainda escreviam do outro lado
depois eu percebi que essa relação não tinha relação com a poesia
quem se importa com quem escreve poesia?
quem imagina que a poesia é escrita por alguém?
citam recitam clamam declamam produz reproduz
o poeta procura um papel um lápis
na tentativa ridícula de transformar palavras
em algo que depois vai chamar de poesia
ou a poesia vai lhe chamar


segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

TRÊS PARTES


apaguei as luzes
dobrei meu corpo em três partes
cabeça trauma e medos
vedaram os lados
dormi sem vento
o sonho foi suado
sem atravessar o poro
ficou suspenso
entre a parede e o couro


quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

RALOS

penso em brincar um pouco
com a bolinha de naftalina
mas surpreendo o mosquito e o empurro
e ele se vai juntamente com a urina
a vida aos pedaços
de repente o aguaceiro me empurra
antes que eu alcance a pedra
o escuro me esmurra
antes da noção da perda


OVÍDIO

dizem que Ovídio escrevia dormindo
versos estrofes poemas inteiros
povoavam os seus sonhos
e ao acordar
ele preenchia inúmeros pergaminhos
eu não tenho essa sorte
não existem mais pergaminhos


segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

FOLHAS DE OUTUBRO

perdi as folhas de outubro
pareciam amargas
com o tempo foram se transformando
em algo que nem sei se existe
ficaram naquele mês
como se a ele pertencessem
ou as abandonei e preferi pensar perdidas

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

LARGADOS

porque te larguei
quando não havia mãos
estavas comigo mais no corpo
larguei teu corpo
quando não havia mãos
eu sei que eu errei
mas me deixe por aqui
sem o corpo que pensei ser meu
sem o peso do teu corpo
sob as mãos

SEM SORRISOS

sem sorrisos
sem sorrisos
por favor
deixe às flores
sorrir é um ato de fé
fé é com as plantas
as plantas do pés
os pés das plantas

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

PURGATÓRIO

FOTOGRAFIAS

todas as fotos são iguais
tempo interrompido que apodrece
o olhar que se move por dentro
não tem centro
inúteis escoras suportando o movimento

DEMOLIÇÃO

o inverno não trouxe nada
quanto mais recebo mais cedo
à beira do dia encosto meus traumas
meus ossos formam um estranho arco-íris
todas as cores me ameaçam
tornam minha boca mais sede
babo mais palavras que silêncios
bebo almas
demulo falhas
deixo pouco pra guardar por dentro


quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

SER MOVENTE

estou cansado da praça poética
tenho pressa e palavras me engolem
pessoas passam ao longe
mais perto do que eu quero
fodem o incêndio com suspiros
quero as cinzas
minha alma de vagar nunca encontra
estou cansado da graça poética
quero espinhos definindo o meu mamilo
a boca do vampiro na auréola
esgarçando artérias
estou cansado
meu corpo com o teu
forma um escombro
para algum poema
seremos removidos


FATIAS

fatiado pelo sol
o dia me come
mais do que
eu sonho comer
algumas vezes
confundimos com pessoas
dentes que nos esmagam

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

DISSOLVA

mesmo que os sonhos dissolvam
os melhores caminhos
mesmo que o dia
não permita estrelas
mesmo assim
nunca vamos ultrapassar
a dimensão da palavra
ou entender qual motivo leva
repentinamente
um casal a se abraçar


terça-feira, 29 de novembro de 2016

DINÂMICA DE GRUPO

estendo meus dedos
até formar um corpo
estendo palavras
que não formam nada
quando sumo
pareço de verdade
ninguém pergunta por mim
eu nunca estive aqui


ARTIGOS

se eu não sei amar não falo
se eu não sei morrer não falo
tudo bobagem
não sei de muita coisa
não é só isso
não falo nada
não transito
pelos verbos
prefiro artigos


FINGIR

fingir que está dormindo
é fácil
é só fechar os olhos
e ficar parado
fingir que está sonhando
é mais difícil
requer não está pensando
sonhar acordado é mais fácil
é só ficar de olhos abertos
e a cabeça escancarada
mas fingir que está sonhando dormindo
requer fechar a cabeça para o pensamento
e ao pensar que está sonhando
não está mais sonhando
está pensando que está sonhando
porque quando se sonha
não existe o pensamento
existe o acontecimento
enquanto o pensamento
permanece de olhos fechados

terça-feira, 15 de novembro de 2016

NÃO ME PERGUNTE



plantar sorrisos ou plantas
não diminui a minha dificuldade
de fazer perguntas
meu coração era quente
eu não sabia
sempre respondia
porque sempre fui bom em respostas
meu coração agora está frio
não me pergunte
não sei mais responder

sábado, 5 de novembro de 2016

PRIMEIRA CAIXA DA DOR

1.
a dor empurra o tempo por debaixo da porta
sem bilhete

2.
do que é feita a carne
não forma uma pessoa
os componentes espalhados sobre os nervos
os líquidos que não cabem nos tubos
deixam incompletas as certezas

3.
a pele precipitada tremula sem as horas
era de vento o afago
agora é de tempo

4.
um morto não quer silêncios
quer que alguém saiba o que o morto quer
e que deite ao seu lado e procure o idioma correto
para lhe dizer

5.
reproduzir a dor da melhor maneira possível
requer abismos
mostrar com sangue é fácil
quero ver mostrar com o rosto plácido

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

POEMA OU PESSOA

hoje escrevi um poema estranho
e fiquei olhando pra ele
como se fosse uma pessoa
e ele me devolveu o olhar
como se fosse uma pessoa
que estivesse sendo observada
e se perguntasse e me perguntasse
por que eu estaria olhando para ele
daquela maneira
como se ele fosse uma pessoa
quando na verdade é um poema
que está sendo observado
como se fosse uma pessoa
e se sentisse incomodado
como se fosse uma pessoa
quando na verdade é um poema
que está sendo observado
como se fosse uma pessoa
então resolvo descansar o meu olhar
e observo o poema
como se fosse um poema
e o poema devolve o seu olhar
como se eu fosse uma pessoa


CORRENTES

não adianta esperar a corrente
ou esperar da corrente a fala
ou se ela vai permanecer apagada
não adianta atravessar a corrente
deixar o elo marcar o corpo
ou o poro afogar no furo
não adianta sentir a corrente
do corpo dormente arrancar a penugem
o ponto final da corrente é a ferrugem


quinta-feira, 29 de setembro de 2016

MEMÓRIAS

para chegar até aqui
tive que passar por ali
tive que abandonar o lugar onde eu estava
tive que falar todas aquelas palavras
para todas as pessoas que eu encontrava
tive que ouvir
depois esquecer
carregar memórias nos piora
parecer que tudo foi esquecido
permite que sejamos melhor recebidos


terça-feira, 27 de setembro de 2016

A FALADA POESIA ESCRITA

entre a poesia falada e a poesia escrita
há uma distância crítica
a poesia falada é muda
precisa ser falada
a poesia escrita é cega
precisa ser vista
e ao ser vista a poesia escrita
deixa de ser cega e passa a ser falada
e a falada ao ser ouvida passa a ser escrita
a poesia falada é cega
precisa ser guiada pela fala
a poesia escrita é muda
precisa ser falada
e ao ser guiada a poesia falada
deixa de ser cega e passa a ser vista
e a poesia escrita que era muda
passa a ser falada


quarta-feira, 21 de setembro de 2016

VAZIOS

as coisas que ficam em nossa boca
depois que falamos
as coisas que ficam em nossa alma
depois que existimos
estão dispostas
dispostas não é bem o termo
dispostas imóveis não estão dispostas
imóveis imóveis
que nunca serão ocupados


terça-feira, 20 de setembro de 2016

RISCO

não há delicadeza no risco
o que antes era branco e silêncio
torna-se algo
em que o inesperado
não vai aceitar desculpas
e o pensamento antes guardado
agora expõe a fratura
e a dor antes impensada
agora é palavra


sexta-feira, 9 de setembro de 2016

CURA

a cura na seringa
porém é preciso atingir a alma
e a alma não está dentro do corpo
está pendurada ao redor
como uma sombra que segue o corpo
na escuridão
é preciso ser preciso na introdução da agulha
penetrar a pele sem atingi-la
e informar à pele que está sendo atingida
sem tocar com a agulha
curvá-la de maneira que atinja a alma
e ao mesmo tempo a pele sinta                                                                                      
que alma está sendo tocada
e conseguir introduzir a agulha
nesse espaço entre a pele e a alma
e inocular a cura
sem que ela seja derramada


quinta-feira, 8 de setembro de 2016

ANTECIPAÇÃO

antecipo o abismo e me atiro antes
nem deixo as marcas das unhas nas margens
mãos nos bolsos
aguardo o encontro
do cóccix com o áxis


quarta-feira, 7 de setembro de 2016

RODEADO DE ELEFANTES

estamos rodeados de elefantes
alguns são azuis
outros opacos
a maior parte esquartejados
perturbam meu sono
seus passos no andar superior
só utilizam as escadas
enxergam no espelho do elevador
sua parte humana
acreditam que o homem e a arma
são o mesmo homem
e abrem seu poro para o afago
como abrem a boca para o beijo
sem saber o quanto é amarga sua língua
e indecifrável




DESENHO DO RELÂMPAGO

o relâmpago desenhou a luz na parede
desenhou o barulho no ouvido
desenhou a chuva
que apagou o branco da página


terça-feira, 6 de setembro de 2016

FORMANDO INIMIGOS

não vieram até a minha casa me mostrar
trouxeram anteparos contra o tempo
trouxeram apartamentos
não vieram até a minha casa me somar
trouxeram abismos complementos
objetos como aterros semoventes
trouxeram escadas até o fim
trouxeram a mim
com as mãos entrelaçadas a corpos
trouxeram outros departamentos
troços que formavam pensamentos
até ficarem roxos como flores de cimento
não vieram até a minha casa me buscar
trouxeram ossos cobertos de lonas de fumaça
trouxeram malas
repletas de telefonemas craseados
para o vizinho inflado
não vieram até a minha me ilustrar
trouxeram fotos armazenadas em cabides
roupas costuradas de pelos cerzidas com gelo
não vieram até a minha nunca vieram
ainda desespero
e tranquilo arranco minha cabeça pelo umbigo
expilo a alma para dentro
até formar um inimigo


quarta-feira, 31 de agosto de 2016

SOMOS TODOS CANALHAS

neste exato momento
em alguma rua da Eritreia
uma criança está sendo vendida
o dinheiro vai suprir a fome de alguém
e o seu corpo será loteado em partes desiguais
e o seu sangue correrá pelo sangueduto
até alimentar a indústria tecnológica
norteamericaneuropéia
neste exato momento
uma quase flor está sendo arrancada
antes da hora
não é mais um botão
nem ainda é uma flor
e não vai ser utilizada para enfeitar nenhuma fala
vai ser jogada em alguma vala
até quase ser esquecida

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O MESMO POEMA DE SEMPRE

eu já li esse poema em algum lugar
ou já ouvi
ou alguém leu para mim
ou então era muito parecido
com algo que eu já tenha lido
na verdade o que existe
é uma palavra só
nós as esquartejamos na fala
para que caibam
todas na mala
permitindo assim a viagem
no abismo da mesma miragem


terça-feira, 23 de agosto de 2016

AONDE O MEU CORPO VAI SER ENTERRADO

aonde o meu corpo vai ser enterrado
não tenho a menor ideia
isso não é problema meu
não vou resolver isso
a morte vai interromper minhas posses
vai ser minha apenas a morte
e depois disso nada mais
vão dizer que estarei no meu túmulo
mas a nota fiscal não vai sair no meu nome
vão dizer que as flores são minhas
mas não foram pagas com o meu dinheiro
vão dizer que o velório é meu
que as velas são minhas
até o crucifixo
depois o espaço vai ser desocupado
para outro que vai ser enterrado
as velas vão derreter totalmente
e o coitado do crucifixo que está imóvel
porque já está morto
vai desfilar de velório em velório
e mesmo que perguntem a ele agora
ele não vai saber aonde o meu corpo vai caber
aonde vão enterrar o meu corpo
nunca vou saber de verdade
se a morte encerra as posses
nem é mais meu o meu corpo
nem as ideias que deixei pela metade


sexta-feira, 19 de agosto de 2016

DA INUTILIDADE DA LEITURA

você pode abrir uma página aleatoriamente
ou seguir o roteiro normal
e ler da primeira página em diante
até onde achar que deva ser lido
ou guardar tudo isso
ou nem tocar
na verdade não vai fazer
nenhuma diferença
essa leitura ou aquela
tudo vai ficar guardado
dentro do livro ou fora dele
tudo vai estar sempre guardado
a palavra nunca vai dizer
o que realmente quer dizer




PROVISÓRIA

a vida é provisória
por isso admite espantos
a morte não é pensada
com a devida cabeça
a morte pensa essa vida que a gente vê
a gente vê o pensamento da morte e nem sabe
pensa que é a vida
quando a morte não pensa
a gente se espanta
e a vida provisória se acaba
num pensamento


quinta-feira, 11 de agosto de 2016

UM SONHO PARA A MINHA CABEÇA

cuidei do sonho em cativeiro
arranquei suas asas
alimentei com espelhos
transformei em rastro sua fala
queimei seu sono pela goela
deixei que vomitasse janelas
tornei passível seu medo
bebi suas casas
mesmo assim não consegui
encontrar minha cabeça
talvez esteja procurando uma armadilha
que possa prendê-la


quinta-feira, 4 de agosto de 2016

REVERSÃO


reverte o modo como os livros me separam do assombro
não pelas palavras
mais pela maneira de vê-las isoladas
como se nenhuma formasse uma frase
ou como se cada frase não necessitasse de nenhuma delas

        

A MOÇA DO TEMPO

a elegante moça do tempo
nunca erra
sempre acerta
a roupa certa
o tempo nunca erra
sempre acerta a moça
em sua boca

XÍCARAS

comecei a ouvir falar das xícaras
que se movem sem qualquer líquido
enquanto ainda estava surdo
agora que ouço tudo
escuto o silêncio das xícaras quebradas
e o líquido que as percorre
tentando remendá-las

quinta-feira, 21 de julho de 2016

A IMPORTÂNCIA DA IMAGINAÇÃO

empurro meu mundo para o mundo
a vida é seca e finge ser molhada
colo a minha boca nessa fonte
e perco os dentes
bebo areia imaginando sumos
é preciso imaginar tudo
se quiser o mundo

segunda-feira, 18 de julho de 2016

VENTO

as plantas se movem
independente do vento
eu não me movo sem o vento
ele empurra o meu pulmão
para fora para dentro
o pulmão empurra o oxigênio
para o meu sangue
que empurra o meu corpo
para não sei qual direção
talvez para onde
nos tornamos vento

DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...