terça-feira, 26 de abril de 2016

DOIS OLHOS

meu olho que chora
enxerga o mundo embaçado
meu olho que não chora
não enxerga o mundo

o mundo não sabe
que tenho dois olhos
pendurado à minha frente
língua de fora
peso segurado pela corda
espera que eu minta
dizendo que vou soltar a corda

quarta-feira, 20 de abril de 2016

VELOCIDADE DAS PALAVRAS

saber a velocidade das palavras
não modifica nada
elas vão chegar
ou permanecer imóveis
e as suas cores se houverem
e as suas dores se puderem
e as suas formas se quiserem
vão cruzar o mar do significado
sem nunca atingir o outro lado



LEITURA LABIAL

ninguém leu o meu corpo
por isso ele permanece incompleto
cada buraco ensanguentado
é o trecho de um livro apagado
o mundo faz a leitura labial dos mudos 
e reproduz a fala

sexta-feira, 15 de abril de 2016

quinta-feira, 14 de abril de 2016

SONHO PORTÁTIL

eu sempre quis ter um sonho portátil
um daqueles que a gente carrega no bolso
daqueles que a gente perde fácil
esquecido sobre a mesa
sobre um banco da praça
num ônibus
um daqueles sonhos colados no olho que não abre nunca
daqueles que dispensam a cabeça
um daqueles em que acordar
não vai fazer a menor diferença
eu sempre quis ter um sonho portátil
assim eu poderia mostrar para qualquer um
que o tamanho do sonho não importa muito
nem seu peso
importa que ele possa ser instalado em qualquer canto
sem tomadas e sem fios que o prendam a um local determinado
um local onde não haja espaço
um sonho portátil sem começo

quarta-feira, 13 de abril de 2016

CAMINHANDO SOBRE AS ÁGUAS

eu caminhava sobre as águas
pendurado em meus pulmões
disfarçados de nuvens
meu corpo era a parte clara da água
tensionava o músculo do tempo
até romper a barreira imaginada


SONDA 2

há uma sonda
enterrada na minha alma
eu pensava que quando eu a arrancasse
iria me esvair em sangue até perder as calças
debalde
no máximo espirrei o cuspe
que cobre essas palavras


sexta-feira, 8 de abril de 2016

O LUGAR DO MEU CORPO

quando enxerguei a chuva como parte
de uma lágrima caída de um bolso qualquer
e o azul como fragmento da explosão do céu
constatei que finalmente o meu corpo
alcançou o seu devido lugar:


DEPOIS DO DESCARTE

alguns medicamentos são comprados tarde demais
a caixa fica quase cheia ou ainda lacrada
sobre o criado mudo
esperando inútil
a data do descarte


terça-feira, 5 de abril de 2016

À BEIRA DO SENA

garotas francesas
debulham o azul
até umedecer o Sena
enquanto isso
eu caminho tranquilo
com a minha couve-flor na lapela
e o perfume das palavras
desmaiando ideias



O QUE SOBROU DAS PALAVRAS

sou o que sobrou das palavras que passaram por aqui
não sou muita coisa sou apenas o que sobrou
não sou culpado se as palavras não se fixaram
se as palavras não deixaram nada além de mim


DEPOIS QUE MORREM

  sei para onde vão as mães depois que morrem a saudade forma um túnel e a luz que vem em sentido contrário as transformam em cinz...